ALCA, INTEGRAÇÃO OU ENTREGAÇÃO?

Ao apagar das luzes de 1994 , sob os auspícios do presidente Clinton, reuniram-se em Miami 34 chefes de Estado dos países do nosso hemisfério (a exceção foi Cuba não convidada) para discutir as bases de uni acordo de livre comércio que teria conto data de referência o mio de 2005. Fomos representados nesse encontro por dois presidentes: o que se despenha, ltamar Franco, e seu sucessor já eleito, Fernando Henrique Cardoso.

A Alca (que passou assim a ser chamada pelos países do hemisfério: Área de Livre Comércio das Américas) tinha um objetivo nobre e grandioso: eliminar as barreiras existentes entre os países da região, criando assim uni mercado, comum, inicialmente de bens que seriam comercializados sem a cobrança de tarifas aduaneiras. O "FTAA" firmado em Miami, apesar de nossa dupla representação, foi sancionado sem que a sociedade brasileira, por intermédio da classe política empresarial ou sindical, tivesse tido qualquer participação na decisão de subscrever aquele acordo.

Na ocasião, parecia algo muito distante, remoto mesmo, e até, por que não dizer, pouco provável. Afinal de contas, a aprovação do Nafta tinha sido extremamente difícil; os resultados até então obtidos eram questionados e o Mercosul se viabilizava, mas ainda tinha um longo percurso pela frente para se consolidar. Inclusive, alguns analistas enxergavam a reunião de Miami mais como um ato político do presidente Clinton do que propriamente algo que dever-se-ia considerar seriamente. Teria sido um gesto de uni presidente democrata, mostrando que a eles, e não só aos republicanos o tema integração importava (vale lembrar que a Iniciativa das Américas foi projeto de George Bush).

Logo em seguida, deliberou-se que os ministros de Comércio Exterior dos 34 subscritores da Alca deveriam se reunir anualmente para definir um cronograma de trabalho que viabilizasse uma agenda de trabalho fictível para 2005. Diante da dimensão do projeto, entendia-se que não havia o que esperar.

Para a primeira reunião, marcada para houver em 95, decidiu-se que haveria uma reunião paralela de empresários da região para que os mesmos tivessem, desde o início do processo, uma atitude pró-ativa a favor da Alca. Lançou-se assim idéia do Fórum de Empresários, que se materializou como maior clareza ria reunião seguinte, em Cartagena, e que passaria a anteceder a reunião anual dos Ministros.

A posição do governo brasileiro, refletindo talvez a própria apatia dos nossos empresários em torno do assunto, foi de um certo distanciamento. Não houve interesse inclusive em liderar nenhum dos grupos de trabalho que se formaram e passamos a questionar a interpretação do que 2005 realmente implicava: a início da desoneração tarifária ou a Alca já em pleno funcionamento, como entendiam os Estados Unidos.

Vale lembrar que estávamos saindo de um processo de abertura da economia, e o nosso governo. era criticado por muitos que argumentavam contra a velocidade com' que essa abertura ocorreu e de muito pouco termos pedido em troca, optou por uma postura cautelosa. As empresas brasileiras passavam, ainda pelo traumático momento de ajustes (abertura e queda da inflação) e para se tornar competitivas tinham que buscar grandes ganhos de eficácia e a produtividade 'numa circunstância em que o real havia se valorizado acima de qualquer expectativa.

Além do mais, apesar dos avanços do Mercosul, superando expectativas otimistas, o que tínhamos pela frente, principalmente na relação bilateral com a Argentina, não nos dava margem a hesitações! Tinhamos que consolidar o que já havíamos conseguido e também atrair novos parceiros, Chile e Bolívia, que, geográfica e economicamente, mantém relação de grande importância com países do Mercosul.

Portanto, não havia pressa, pois gostaríamos primeiro de ver o Mercosul consolidado e fortalecido, para então sentarmos à mesa de negociações com uma posição melhor para conversar com o Nafta. Havia também a preocupação, que temas de longa data, difundidos por segmentos do establishment norte-americano, pudessem ser prematuramente colocados na mesa de negociação, tais como legislação social e ambiental, entre outras, e que poderiam afetar as vantagens comparativas do Bra-sil.

Assim, não é de estranhar que a representação qualitativa e quantitativa de empresários brasileiros, tanto na reunião de Denver quanto na de Cartagena, já em 96, tivesse sido muito modesta em contraste, por exemplo, com a numerosa delegação norte-americana.

Coincidência ou não, em meados de 96 começaram a aparecer as primeiras críticas norte-americanas ao Mercosul e, apesar dos desmentidos, a origem parecia evidente: nossos parceiros do norte se mostravam insatisfeitos com o desenrolar do processo. Tinham pressa. Queriam avançar e sentiam que estávamos ganhando tempo!

Não lhes agradava a idéia de negociação Nafta x Mercosul, e sim adesões individuais ao Nafta. Vale lembrar as diferenças: o Nafta é uma zona de livre comércio; o Mercosul é uma união aduaneira, porém não inclui serviços, propriedade intelectual e investimentos.

Para complicar ainda mais as cois as, os Estados Unidos, por intermédio da USTR, considerou solicitar à OMC (Organização Mundial do Comércio) um painel para se pronunciar sobre a legalidade do regime automotivo brasileiro.

Também na primeira reunião da OMC, realizada em dezembro em Cingapura, o Brasil optou, apesar das pressões norte-americanas, por não se filiar ao ITA (Information Technological Agreement), que traria a zero as tarifas pata produtos nas áreas de comunicação e informática no ano 2000. A posição brasileira foi se prender aos acordos do Mercosul, que tem desoneração gradual a partir de 2005.

Parece haver, mais recentemente, também algumas discordâncias sobre o grau de abertura que o governo brasileiro estaria disposto a proporcionar aos investidores estrangeiros na área de telecomunicações.

Curiosamente, nos Estados Unidos, após a bem-sucedida intervenção do presidente Clinton, que evitou uma crise no México que teria tomado dimensões imprevisíveis as dúvidas sobre o Nafta aumentaram, e o Poder Executivo norte-americano não conseguiu do Legislativo a autorização do "fast track" para negociar a entrada do Chile no Nafta (o que certamente deve ter facilitado a associação, mesmo que parcial, do Chile ao Mercosul). Assim sendo, a posição norte-americana apontava um paradoxo: um lado querendo acelerar o processo da Alca, mas internamente com dificuldades de vender a imagem de integração hemisférica a um Congresso apático, num ano eleitoral.

No entanto, é possível imaginar que as visitas programadas dos presidentes Eduardo Frei aos Estados Unidos e Clinton à América Latina possam reverter esse quadro a curto prazo. Do nosso lado, as coisas também não aconteciam da forma programada. A idéia de rapidamente incorporar a Venezuela ao Mercosul, que seria bastante importante do ponto de vista estratégico, principalmente para o Brasil, esbarrou nas dificuldades do Pacto Andino. A Colômbia não liberou a Venezuela para uma discussão bilateral, exigindo a negociação como bloco, o que evidentemente dificultou essa negociação em termos ainda não claramente visualizados.

Mais recentemente, outro percalço no Mercosul com a Argentina, e novamente por causa do regime automotivo: a concessão de incentivos e subsídios para a instalação de indústrias no Nordeste provocou a ira dos nossos vizinhos e protestos da OMC.

Do lado empresarial, finalmente pequenos porém importantes avanços! O fato de a terceira reunião preparatória de ministros ter sido marcada para Belo Horizonte houve, em determinados momentos, a intenção de levá-la para a Costa Rica, mas o Itamaraty lutou para realizá-la no Brasil) trouxe o assunto para dentro de nossas fronteiras e começamos a enxergar que 2005 não é amanhã, irias também não é o dia de são Nunca!

Graças principalmente ao trabalho da CNI, a quem ficou delegada a responsabilidade de organizar a agenda da reunião de maio, observa-se agora uma movimentação das classes empresariais até então ausentes. São artigos em jornais, entrevistas, matérias publicadas pelos principais jornais e revistas e que, apropriadamente, colocam o assunto em discussão.

O fato de os Estados Unidos, por intermédio de representantes categorizado terem aumentado suas críticas à posição do Brasil e, pressionado para acelerar a agenda, tornou, o assunto mais presente na mídia nacional e internacional nas últimas semanas.

Acresente-se que finalmente o presidente Clinton resolveu nos visitar em maio e, por coincidência, a data da visita foi marcada para alguns dias antes da reunião de Belo Horizonte, onde desde já se sabe que a delegação americana terá grande peso! Em recente pronunciamento na Universidade do Texas a secretária de Estado, Madeleine Albright, não poderia Ter sido mais clara e enfática: "Política externa significa empregos".

Creio que antes de concluir deveria também registrar que a posição brasileira de ganhar tempo ou respeitar a agenda (se assim preferirmos) não parece ter grande solidariedade hemisférica.

A Alca, para a maioria dos países a América Latina, é atraente: os demais países têm mais a ganhar do que a perder. Como não são países de forte base industrial, ganhariam mais do que sairiam podendo com uma desoneração tarifária. Mesmo a Argentina de vez em quando, tentada com canto da sereia: integrar-se ao Nafta, independentemente do Mercosul.

A dúvida que assalta a muitos é se a política que o ltamaraty vem adotando (que evidentemente não é sua, e sim do governo brasileiro) é a que melhor atende aos nossos interesses. É evidente que â proposta da Alca é tentadora, mas como alguém ponderou, quando lhe oferecem o paraíso você fica em dúvida e prefere ficar alguns dias mais aqui na Terra!

Na realidade, não creio que tenhamos feito simulações claras do que aconteceria quando , a Alca passasse a funcionar. Há claras e evidentes vantagens, que vão de produtos de melhor qualidade a preços mais baixos e a acessarmos diretamente o maior mercado do inundo. No entanto, a dúvida é se estai-nos posicionados com um "product mix" que tenha mercado nos Estados Unidos na mesma medida que somos compradores de produtos e serviços deles. Aparentemente, nosso déficit comercial com eles tenderia a se agravar, a menos que conseguíssemos êxito na desoneração atualmente existente para produtos brasileiros que têm mercado lá..

Reconhecidamente, o problema brasileiro hoje é não ter aumentado a sua pauta de produtos exportáveis para contrabalançar o aumento nas importações. mais, ouvimos que hoje não é mais exclusivamente na taxa de câmbio ou no "custo Brasil" que o problema das exportações. É no conteúdo do que temos para exportar e o que o mundo está querendo comprar!

Portanto, com a Alca, a menos que tenhamos feito mudanças estruturais, correríamos o risco de imediatamente aumentarmos nosso déficit comercial, o que evidenciaria cada vez mais nossa maior de pendência de capitais externos para fechamento de nossas contas externas. Isso, sem falar ria falta de um inventário de que setores ou indústrias sairiam prejudicados e que prazo precisariam para se ajustar competitivamente. Às repercussões sociais são inevitáveis, pois o problema do e virá à tona.

Se de um lado são argumentos sensíveis, do outro não podemos cruzar os braços e continuar tentando ganhar tempo! "Quem não faz poeira, come poeira", diz um ditado popular.

A um observador que não está na linha de frente, como eu, parece que a situação está se complicando e precisamos estar melhor equipados nesse complexo jogo. O que está em pauta não é exclusivamente mais um acordo comercial, e nossa sociedade precisa estar mobilizada. Sei que não é fácil, mas! a participação política é fundamental. Os empresários também precisam estar melhor articulados e posicionar-se junto ao governo num diálogo de parte a parte muito mais aberto. Os sindicatos, idem. Acima de interesses corporativos ou regionalistas. Chamou-nos a atenção como os empresários norte-americanos, canadenses e mexicanos atuaram coordenadamente com representantes de seu governo nas negociações do Nafta. São painéis permanentes!

A ofensiva tem sido norte-americana. Precisamos colocar, com veemência e repetidamente quais os nossos interesses. O que queremos preservar? O que estamos a ceder? Como parceiro, mais forte e poder hegemônico, o que os Estados Unidos estão dispostos a conceder?

O mercado caminha para que três blocos temiam a predominância mundial. Um liderado pelos Estados Unidos, outro pela Alemanha e o asiático pela China. Não creio que tenhamos muita escolha.

Entramos nessa parada e agora não há espaço para recuos. Vamos discutir uma integração efetiva, e não uma entregação!

Neste momento, a Alca parece um projeto irreversível e não podemos deixar de assumir unia posição clara e transparente dos interesses que a sociedade brasileira quer preservar.

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